Recomendações

Recomendações gerais ao nível de evidência as experiências

O repositório de experiências contém uma listagem de programas, políticas e ações que, a nosso ver, possui potencial para combater a evasão escolar entre jovens brasileiros. Isso não significa, contudo, que é possível implementar automaticamente as políticas descritas no repositório como implementadas originalmente. A adequação e a viabilidade de realização de cada experiência dependem da capacidade operacional em cada local, do orçamento disponível, do contexto político e dos recursos humanos disponíveis.

Acreditamos, no entanto, que há algumas recomendações gerais que podem orientar esse processo de reflexão sobre quais políticas devem ser adotadas para combater a evasão no ensino médio, especialmente no contexto atual pós-pandemia de COVID-19. Esta seção descreve tais recomendações e apresentada algumas observações sobre o processo de implementação, sinalizando aspectos importantes para a sustentabilidade das ações.

 

Recomendaçoes

Algumas recomendações aqui descritas são fundamentadas nas evidências encontradas nos estudos descritos nas fichas do repositório. Já outras têm alicerce no fato de que algumas ações fazem sentido lógico, a partir de uma inferência qualitativa, apesar de não necessariamente possuirmos evidência empírica com inferência causal robusta sobre sua eficácia. A Tabela 2 resume o grau de evidência de cada recomendação.

A seguir, descrevemos as recomendações de ações para o combate à evasão no período pós-pandemia.

 

1. Diagnostico sobre evasão escolar

Governo Federal

  • O MEC/Inep: Divulgar os dados de evasão para os anos posteriores a 2019/2020.

O Inep tem divulgado os dados sobre o abandono escolar, mas os sobre evasão têm sido informados com muito atraso. Os conceitos são distintos e podem ter divergido bastante durante o período da pandemia. Apesar de estarmos em 2023, os dados mais recentes disponíveis sobre evasão escolar no site do Inep são para o biênio 2019/2020. Seria importante atualizar os dados até o biênio 2020/2021 e 2021/2022, para que se possa ter um real diagnóstico da evolução da evasão durante e logo após a pandemia.

Governos estaduais:

  • Elaborar diagnóstico com os dados administrativos disponíveis sobre a evasão escolar, incluindo o período pandêmico.
  • Diagnosticar o fenômeno da evasão em diferentes níveis administrativos: rede, regionais e escolas.
  • Atentar para as desigualdades territoriais do fenômeno da evasão. A primeira ação emergencial recomendada é diagnosticar o tamanho do problema da evasão antes, durante e após a pandemia.

Até hoje, temos apenas disponíveis os dados sobre o abandono escolar na pandemia. Esse abandono reflete a situação do aluno matriculado no fim do ano letivo, enquanto a taxa de evasão indica se o aluno continua matriculado no ano seguinte. Como muitas redes facilitaram a aprovação dos alunos durante a pandemia, o abandono, por construção, foi menor nesse período. Caso os alunos aprovados não tenham se matriculado no ano seguinte, é possível termos uma situação em que o abandono é baixo, mas a evasão é alta. A taxa de evasão, nesse sentido, forneceria um indicador mais fiel de quantos alunos, de fato, deixaram de estudar.

Além de quantificar a extensão do problema da evasão, acreditamos que também é preciso analisar as desigualdades das taxas de evasão nos estados. Quais regiões, ou quais municípios apresentaram os maiores aumentos da taxa de evasão? Qual é o perfil das escolas que apresentaram os maiores aumentos? Conseguir identificar tais desigualdades é importante para que se possam oferecer ações focalizadas para enfrentar o problema.

Mesmo sem a disponibilização dos dados de evasão escolar pelo Inep, é importante que as redes possam fazer o diagnóstico com os próprios dados. Calcular a taxa de evasão, no entanto, pode envolver um desafio operacional em razão de imprecisões de identificadores de alunos, como falta de preenchimento de dados como o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e Registro Geral (RG), dados duplicados de matrículas, diferentes grafias de nome do aluno ou erros de digitação do nome do aluno, de seus pais ou de sua data de nascimento. Tais problemas podem ser minimizados com a utilização de algoritmos probabilísticos de ligação de dados.

Tais desafios, contudo, não devem ser encarados como impedimento para se fazer o diagnóstico do problema do abandono e da evasão no estado. Ainda que as secretarias estaduais não consigam calcular as taxas de evasão com os próprios dados, é possível que sejam analisadas as taxas líquidas e brutas de matrícula por município e região e a evolução das taxas de repetência e distorção idade-série.

Ao fazer tal diagnóstico, as redes podem não só compreender melhor as desigualdades do perfil da evasão, como também levantar hipóteses de por que a evasão pode ter aumentado mais em algumas regiões e menos em outras. Conversas com alunos, professores e diretores das regiões mais afetadas durante a pandemia podem esclarecer algumas das hipóteses levantadas durante o diagnóstico, levando a uma caracterização mais sólida e precisa do fenômeno nas redes.

2. Implementação e monitoramento de programas de busca ativa

Governo Federal:

  • Realizar monitoramento e avaliação dos estados e promover assessoramento, recomendando programas e ações eficazes de busca ativa.

Governos estaduais:

  • Implementar e monitorar programas de busca ativa.
  • Auxiliar as redes municipais, em regime de colaboração, na implementação de programas de busca ativa.

Programas de busca ativa têm como objetivo trazer de volta à escola os alunos que a abandonaram ou deixaram de se matricular. No período imediatamente pós-pandemia, esses programas ganharam importância adicional, dado que muitos alunos perderam momentaneamente os laços com a escola. Se o desengajamento é conjuntural, faz sentido buscar e trazer de volta esses alunos.

Uma vez de volta e engajado com a escola, o aluno seguiria sua vida escolar sem abandonar novamente os estudos.

Para que um programa de busca ativa seja efetivo, é preciso primeiro mapear e identificar as crianças que estão fora da escola. É por isso que o diagnóstico da situação da evasão escolar nas redes estaduais, por região, município e escola é tão importante, visto que permite identificar as escolas nas quais o problema é mais grave. No limite, é possível saber inclusive qual o aluno que deixou de se matricular, facilitando o processo de busca ativa.

No âmbito federal, nossa orientação é que o MEC possa recomendar aos estados bons programas estruturados de busca ativa e monitorar a implementação desses programas, bem como suas ações.

No âmbito estadual, as secretarias podem implementar os programas de busca ativa, além de auxiliar as redes municipais a colocá-los em prática, em regime de colaboração. A colaboração com as redes municipais é crucial na transição do 9º ano para o ensino médio, visto que são as redes municipais que possuem as bases de dados com a lista dos alunos do 9º ano. E as redes estaduais necessitam dos dados desses alunos para fazer uma busca ativa mais precisa.

Uma vez que o aluno volte à escola, é necessário identificar os motivos que o fizeram abandonar os estudos, permitindo, então, propor intervenções para reverter o quadro de risco de abandono pelo aluno. Assim, é possível intervir para garantir que adolescentes e jovens sejam amparados por serviços públicos, para que tenham seus direitos assegurados, incluindo sua matrícula na escola. Por último, é crucial que os estudantes que voltaram à escola pela busca ativa sejam monitorados ao longo do ano, permitindo agir tempestivamente antes que o abandono escolar se materialize.

É importante ressaltar, contudo, que faltam mais pesquisas sobre a eficácia de desses programas, tanto no período imediatamente após a pandemia quanto em tempos menos atípicos. Será que os alunos que retornam à escola pelos programas de busca ativa de fato permanecem até o fim do ano? A pergunta é relevante, visto que a busca ativa não indica diretamente os fatores de risco que fizeram com que o aluno decidisse, em algum momento, abandonar a escola.

3. Implementação de programas de alerta preventivo (estudantes de alto risco de evasão)

Governo Federal:

  • Assessorar e cofinanciar ações de alerta preventivo, com foco na evasão escolar no ensino médio.

Governos estaduais:

  • Implementar ações de alerta preventivo, com foco na evasão escolar no ensino médio.

Programas de alerta preventivo ajudam gestores a identificar precocemente os alunos com maior risco de evasão escolar. Alunos com histórico de abandono anterior, distorção idade-série, baixa nota no primeiro bimestre e histórico de faltas seguidas são fortes candidatos ao abandono escolar. Tais alunos podem e devem ser monitorados por professores, gestores escolares, psicólogos e assistentes sociais, para evitar que abandonem os estudos.

No âmbito federal, é possível lançar plataformas para identificar os alunos em risco e recomendar ações para engajá-lo. Já no estadual, é possível implementar, de fato, ações de alerta preventivo diretamente nas escolas. Não é necessário utilizar sistemas sofisticados, como técnicas de regressão ou de aprendizado de máquina para prever o risco de abandono. Tabelas simples com tipologias de estudantes em risco podem ser igualmente ou mais úteis do que sistemas sofisticados que fornecem uma probabilidade de abandono.

É importante, contudo, que as secretarias estaduais ofereçam guias de ação concretas para lidar com os alunos em alto risco de abandono.

4. Programa de apoio psicológico aos alunos

Governo Federal:

  • Assessorar os estados a identificar programas e ações de apoio psicológico nas redes de ensino.

Governos estaduais: 

  • Implementar e monitorar programas de apoio psicológico, com foco especial nos estudantes do ensino médio.

O isolamento trazido pela pandemia de COVID-19 exacerbou problemas de transtornos psicológicos dos alunos, dos professores e dos diretores, como crise de ansiedade, stress e síndrome de burnout. Em um caso que ficou famoso em abril de 2022, 26 alunos de uma escola estadual de ensino médio em Recife sofreram uma crise coletiva, com alunos gritando, chorando, deitando-se no chão, apresentando sudorese, falta de ar, saturação baixa e taquicardia.

A Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, estipula que os alunos das escolas públicas brasileiras devem ser acompanhados por psicólogos. Alguns estados, como o Ceará, já começaram a implementar programas de auxílio psicológico para seus estudantes. Os desafios de saúde mental não são exclusivos do Brasil. No Canadá, por exemplo, algumas províncias provêm assistência psicológica especializada em lidar com estresses pós-traumáticos, como os causados por incêndios florestais.

Embora haja pouca evidência sobre a eficácia de simplesmente oferecer apoio psicológico aos estudantes, intervenções focadas em um ramo específico da psicologia, de terapia cognitiva comportamental, têm demonstrado alto impacto não só de redução de comportamento violento dos alunos e cometimento de crimes, mas também de redução do abandono e da evasão escolar. Programas de sessões de terapia cognitiva comportamental fazem com o que o aluno reflita mais antes de tomar certas decisões.

Essas sessões podem ser oferecidas tanto em grupo ou em formato individual e têm mostrado resultados efetivos de redução do abandono escolar.

5. Programas de auxílio financeiro ao aluno

Governo Federal:

  • Instituir uma política focalizada de auxílio financeiro aos alunos em vulnerabilidade e em risco de evasão no ensino médio.

Governos estaduais:

  • Na ausência de uma política federal de auxílio financeiro aos alunos em risco de evasão, criar políticas próprias e focalizadas de auxílio financeiro aos estudantes do ensino médio.
  • Caso o Governo Federal venha a instituir uma política do tipo, avaliar o custo-benefício de complementar a política federal com auxílios adicionais ligados às estratégias estaduais de combate à evasão no estado.

Programas de auxílio financeiro a estudantes em vulnerabilidade têm recebido, cada vez mais, atenção entre gestores de redes estaduais de ensino. De fato, muitos alunos perderam pais, avós e outros parentes que sustentavam a família, o que fez aumentar o custo de oportunidade de não trabalhar. Estados como Alagoas, Bahia, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo, além do Município de Niterói, em maior ou menor escala, passaram ou voltaram a implementar programas de transferência de renda voltados a jovens.

O desenho ótimo desse tipo de ação não é óbvio e ainda não há um consenso com base na literatura existente. O novo desenho do Bolsa Família retomou o auxílio financeiro voltado a jovens de 15 a 17 anos, pagando R$ 50 por mês condicionados à presença do aluno na escola.

Apesar de ser um auxílio necessário e importante, provavelmente não será suficiente para diminuir, consistentemente, as taxas de evasão, como mostram os estudos que avaliaram o componente Bolsa Variável Jovem do desenho anterior do Bolsa Família (CHITOLINA et al., 2016; SZERMAN et al., 2017), de desenho semelhante.

Nesse sentido, outras estratégias complementares de auxílio financeiro podem ser pensadas, dependendo de cada contexto local.

Tais estratégias devem considerar, entre outros aspectos, a focalização (programas direcionados tendem a ser mais custo-efetivos), a idade do aluno elegível ao programa (a evasão ocorre, majoritariamente, após os 18 anos), se o foco da transferência é o aluno ou a mãe (a literatura de psicologia, de acordo com Yeager et al. (2018a), busca favorecer o benefício fornecido ao aluno, dando-lhe protagonismo), a frequência de pagamento (se mês a mês ou uma vez por ano), as condicionalidades (se por matrícula, presença, aprovação, promoção ou conclusão do ensino médio), quando os valores devem ser depositados (podem ser depositados no início do ano, podem ficar retidos na conta e serem devolvidos, caso a condicionalidade não seja cumprida) e quando devem ser sacados (a qualquer momento, no ano seguinte ou ao fim do ensino médio).

6. Interação com o mundo do trabalho

Governo Federal:

  • Oferecer apoio aos estados para implementar a BNCC do Novo Ensino Médio com sugestões de atividades e conteúdos, conectando o currículo com o contexto da comunidade e o mundo do trabalho.
  • Estudar alternativas para expandir o número de alunos nos programas de aprendizagem, conforme Lei nº 10.087/2000.
  • Oferecer apoio aos estados para a implementação do Itinerário V, de formação técnica e profissional no ensino médio.
  • Estudar alternativas legais para estimular a realização de estágio dos alunos de ensino médio durante as férias de verão. Governos estaduais:
  • Oferecer atividades e conteúdos, conectando a sala de aula com o mundo do trabalho.
  • Implementar o Itinerário V, de formação técnica e profissional no ensino médio nas escolas estaduais.
  • Mapear as vocações econômicas locais para ofertar cursos técnicos e profissionais que estejam conectados com as demandas e oportunidades locais de emprego.
  • Implementar e monitorar a oferta dos cursos de projeto de vida aos alunos, ou programas de orientação profissional, ajudando-os no planejamento da escolha dos itinerários formativos e da carreira profissional pós-ensino médio.

A interação entre a escola, o contexto social e o mundo do trabalho compõe uma das áreas do repositório nas quais há evidências mais sólidas de impactos positivos. Alunos que passam por programas de emprego, durante as férias de verão, nos EUA possuem menos chance de evadir da escola durante o ensino médio. A experiência de emprego pode dar significado ao que o aluno aprende na escola, além de dar a oportunidade de desenvolver habilidades interpessoais de trabalho (soft skills), que podem ajudar na escola, como assiduidade, colaboração, respeito no relacionamento com os outros, menor impulsividade, entre outras.

O Brasil possui também um poderoso instrumento legal para favorecer a socialização dos jovens no mercado de trabalho, que é a Lei da Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000). Essa lei prevê que os estabelecimentos devem contratar, como aprendizes, de 5 por cento a 15 por cento dos trabalhadores cujas funções demandam formação profissional.

Um dos maiores méritos da aprendizagem é o de se constituir em uma modalidade de formação profissional que associa a formação técnica em uma instituição a um período de prática profissional na empresa, sendo notório o papel do Sistema S na execução do Programa com grande qualidade, tendo em conta esta concepção para a garantia de uma efetiva qualificação profissional.

No entanto, o aspecto fundamental quanto ao tema em estudo, da evasão escolar, é que a legislação da aprendizagem condiciona a continuidade do contrato do aprendiz com a empresa à permanência e à frequência na escola.

Esse condicionante de continuidade de estudos já estava presente na CLT, anteriormente de forma mais limitada, e foi ampliado para o ensino médio pelo Decreto nº 11.788/2008, que alterou o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, § 1º, para o seguinte texto: A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica (Redação dada pela Lei nº 11.788/2008).

O Decreto nº 11.061/2022 contribuiu também para deixar a aprendizagem mais flexível e estimular as empresas a contratar aprendizes. A duração do contrato de aprendizagem, por exemplo, passou de dois para três anos, o que é mais compatível com a duração do ensino médio.

Por fim, considerando a existência de uma remuneração básica ao aprendiz, durante todo período do contrato, que engloba o curso e a prática profissional na empresa, a modalidade constitui-se também em uma forma já existente de apoio financeiro ao aluno que está prosseguindo sua vida escolar no ensino médio.

A legislação do ensino médio abriu também a possibilidade de as escolas estaduais que ofertam o Itinerário V atuarem em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem, mas ainda pouco se avançou quanto a essa oportunidade.

Em que pesem as críticas à reforma do ensino médio, a boa implementação do Itinerário de formação técnica e profissional evidencia-se como bastante importante, sobretudo após a experiência do Programa Nacional de Acesso ao Ensino écnico e Emprego (Pronatec). Como demostrou uma avaliação do Programa (O’CONNEL et al., 2017), o casamento entre as demandas setoriais locais por emprego e a oferta dos cursos é essencial para gerar empregabilidade dos alunos. Assim, é importante que as redes estaduais possam estar continuamente mapeando as vocações locais com as empresas de cada região para oferecer os cursos do Itinerário V.

Além disso, ao implementar a nova Base Nacional Comum Curricular, as redes podem formular ações e currículos locais que enfatizem a conexão entre as atividades de sala de aula e as aplicações no mundo do trabalho.

Por último, é importante que as redes definam conteúdos e estratégias para a oferta do projeto de vida dos alunos, monitorando sua implementação, de forma a oferecer orientação para o planejamento das ações, visando alcançar os objetivos de longo prazo com os quais sonham.

7. Recuperação das aprendizagens para evitar a reprovação

Governos estaduais:

  • Buscar estratégias para garantir a recomposição mais célere das aprendizagens, minimizando a necessidade de o aluno repetir o ano.

Programas de reforço escolar devem ser implementados como uma estratégia de curto e médio prazo para lidar com os grandes desafios pedagógicos do ensino médio. Essa etapa apresenta um desafio adicional de receber estudantes com grande heterogeneidade em relação aos seus conhecimentos — fruto do baixo aprendizado ao longo do ensino fundamental.

Há uma boa literatura sobre os efeitos positivos de tutoria individual

[1] (atividade de reforço escolar no formato um professor e um estudante), tutoria em pequenos grupos

[2] (um professor trabalhando com um grupo entre três e oito estudantes) e tutoria entre pares

[3] (modelo em que estudantes trabalham em duplas ou pequenos grupos, com um estudante tutor previamente definido, sempre com a supervisão de um professor) (EEF, 2023).

Esses programas também promovem maior equidade em relação às desigualdades de aprendizagem, uma vez que são focalizados nos estudantes que apresentam maior dificuldade no aprendizado. O formato dos programas já foi amplamente testado e há aspectos que devem ser considerados no momento da implementação. Alguns pontos importantes são:

  • Diagnóstico individual sobre o nível de desenvolvimento dos alunos.
  • Carga horária concentrada (é preferível um programa com oferta entre 3-5 horas semanais que programas com carga horária semanal de 1 hora).
  • Preferência para a tutoria em pequenos grupos (idealmente grupos entre 5 ou 6 alunos), por ter maior custo-efetividade em relação à tutoria individual.
  • Garantir a frequência dos estudantes nas atividades de reforço escolar, com garantia de alimentação, transporte ou ainda a oferta no próprio turno escolar, possibilitando a presença dos estudantes em situação de maior vulnerabilidade social.

Em muitas redes, a reprovação em uma ou em poucas matérias ocasiona a repetência, com a perda do vínculo com seu grupo de pares original (colegas de sala) e a necessidade de refazer todas as matérias. Esse modelo de reprovação cria um cenário comum em que os alunos reprovados cursam, duas ou mais vezes, matérias em que foram previamente aprovados (e não apenas aquelas que não obtiveram a nota mínima para aprovação), gerando um enorme desperdício de recursos. Além disso, como mostra a literatura, a repetência pode gerar frustrações e inclusive piorar o aprendizado, ao contrário do esperado (HATTIE, 2009). As altas taxas de reprovação no primeiro ano do ensino médio geram desengajamento e aumento da distorção idade-série, que são os fatores altamente correlacionados com a evasão precoce.

Idealmente, as redes poderiam gerar normativas que permitem um fluxo mais suave de estudantes ao longo das séries. Isso pode ser feito por meio de políticas preventivas e de políticas de reprovação que permitam a continuidade na série seguinte concomitantemente com trabalhos de recomposição de defasagens nas séries anteriores, com a introdução da dependência, por exemplo, ou com a reorganização da escola por ciclos mais curtos, como os de semestre/disciplina, a exemplo do que hoje ocorre nos cursos de graduação. Ambas as estratégias são permitidas pela Lei de Diretrizes e Bases, mas carecem de normatização pelos Conselhos Estaduais de Educação e demandam um sério planejamento logístico prévio, uma vez que impactam na alocação da grade horária da escola e possivelmente na alocação de professores entre escolas.

Observações sobre implementação

1. O contexto do sistema ou da escola pode não determinar o que precisa ser feito, mas como deve ser feito.

2. Todo sistema de ensino (ou escola) pode obter ganhos significativos nos resultados a médio prazo, independentemente do ponto de partida.

3. É importante cultivar e aproveitar as circunstâncias adequadas para iniciar as mudanças/transformações.

4. Pode-se ampliar e aproveitar a dimensão pedagógica do processo de implantação das mudanças como oportunidade de capacitação da equipe. 5. É recomendável colocar maior ênfase em mudar os “processos”: como os professores devem ensinar e como os diretores devem liderar.

6. É importante organizar o sistema de informações educacionais e de avaliação da aprendizagem.

7. A jornada em direção a melhores resultados ocorre por etapas, cada uma com um conjunto específico de intervenções.

8. No decorrer da jornada, é preciso manter equilíbrio entre autonomia das escolas e a uniformidade das práticas de ensino em cada etapa.

9. Um programa pode atuar sobre problemas específicos ou grupos de escolas e também gerar oportunidades para influenciar as escolas ou todos da rede de ensino.

10. A continuidade do processo de mudança depende da continuidade da liderança e da formação de novos líderes.