Obstáculos
Os obstáculos enfrentados pelos estudantes ao longo da educação básica
Em paráfrase a Larrosa (apud Bondia, 2002), o ensino médio não pode ser uma experiência que simplesmente “acontece” na vida do jovem, mas “o que acontece” com ele. E, nessa fase da vida, muitas coisas já estão acontecendo acompanhadas das transformações e incertezas que resultam do seu processo de desenvolvimento durante o qual novas possibilidades de ser, de querer, de agir e de pensar vão se estruturando. Isto significa que essa experiência do ensino médio tem de ser significativa para tornar possível a construção dos indispensáveis instrumentos cognitivos e da capacidade de estabelecer relações interpessoais maduras, de participação efetiva na vida social, de comportamento ético e de gosto pelo conhecimento. E, também, deve ser relevante na preparação para o mundo do trabalho, como requer a LDB, campo de realização pessoal e profissional e de construção da identidade.
No entanto, isso não é um desiderato fácil de ser realizado, porque muitos obstáculos de naturezas e magnitudes diversas se interpõem, gerando dificuldades que podem afetar a motivação, o interesse, a disposição interior para buscar novos horizontes e, às vezes, se mostram insuperáveis para que o jovem conclua sua trajetória escolar com sucesso.
Temos o hábito de considerar a realidade segundo uma perspectiva de estabilidade e equilíbrio, como se nada fosse perturbá-la. No entanto, Prigogine (2009), em Ciência, Razão e Paixão, nos diz que o que vemos, na história humana e na vida, são a instabilidade, as flutuações, a irreversibilidade, em todos os níveis. Do mesmo modo, o matemático René Thom nos fez ver, com sua Teoria das Catástrofes, que quase tudo na natureza, na sociedade, na economia e na vida é instável e pode mudar catastroficamente.
Assim, uma maneira de ver a COVID-19 é considerá-la como a “faísca” que pegou o mundo de surpresa e colocou em evidência o custo do despreparo mundial para um desastre de baixa probabilidade e alto impacto. Afetou a economia, o sistema de saúde, as políticas nacional e internacional e outros setores sociais de maneira tão profunda que se fala em “novo normal”, ou seja, o mundo não voltará a ser o mesmo. A educação não ficou isenta de impactos em todo o mundo, mas foi afetada de maneira diferente nos diversos países.
No Brasil, com a chegada da COVID-19, pode-se falar em “tempestade perfeita” na educação. Aqui, a pandemia está produzindo prejuízos em diversos setores da vida social que ultrapassam, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial (2022), os impactos negativos em outros países, não porque o vírus que aqui chegou tenha sido diferente, mas pela conjunção com fatores que historicamente já afetavam a qualidade da educação nacional e constituíam obstáculos a uma trajetória bem-sucedida no ensino médio.
Nesse contexto, elegemos cinco obstáculos fundamentais para explicar os aspectos mais relevantes das trajetórias truncadas ou mesmo interrompidas no ensino médio: distorção idade-série e repetência, baixo aprendizado, desigualdade escolar, falta de engajamento escolar, falta de orientação profissional na escola. Por último, o obstáculo conjuntural da pandemia de COVID-19.
Distorção idade-série e repetência
Ao longo do ensino fundamental, os estudantes são reprovados e, por vezes, abandonam a escola e retornam. Muitos dos que ingressam no ensino médio chegam com grande defasagem idade-série. Essa discrepância gera uma série de desafios para o sistema de ensino e para o estudante. Por exemplo, um estudante mais velho pode ter maior pressão para entrar no mercado de trabalho ou para dividir as responsabilidades dentro de um domicílio. Não à toa, a defasagem idade-série é um dos principais preditores para o fluxo escolar (SOUZA et al., 2012).
Mesmo quando estudantes chegam em idade adequada no ensino médio, muitos acabam repetindo de série ao longo desse período. O fenômeno cultural brasileiro de repetir alunos em massa é antigo e já foi identificado há mais de 30 anos por Ribeiro (1991), quando cunhou a expressão da “pedagogia da repetência”, traço muito presente no sistema educacional brasileiro
De fato, as estatísticas oficiais confirmam o diagnóstico de Ribeiro, no início dos anos 1990, para os anos iniciais, e continua ainda válido para o ensino médio brasileiro. De acordo com os dados do Censo Escolar de 2019, produzido pelo Inep, a taxa de reprovação era de 15 por cento no primeiro ano do ensino médio, 9 por cento no segundo ano e 5 por cento no terceiro ano do ensino médio. A alta taxa de reprovação no 1º ano do ensino médio é uma das razões pelas quais a taxa de distorção idade-série salta de pouco menos de 25 por cento no 9º ano do ensino fundamental para em torno de 35 por cento no 1º ano do ensino médio. O problema não parece se restringir a escolas de baixa qualidade. Em escolas federais, que, muitas vezes, possuem processos seletivos de entrada para os estudantes no ensino médio e conta com professores altamente qualificados, a taxa de reprovação chega a 14 por cento. Nota-se, portanto, que, mesmo que a escola possua infraestrutura adequada, professores altamente qualificados e bem-remunerados e que os alunos estejam aprendendo a contento, o fenômeno cultural da reprovação resiste.
Baixo aprendizado
O ensino médio, além de produzir os próprios entraves à escolarização, ainda herda o histórico de baixo aprendizado acumulado nos anos anteriores da escolarização. Essa é a segunda fonte de dificuldades para o jovem que conseguiu chegar a esse nível de ensino. Desde o primeiro ano, ele percebe que, além das lacunas de aprendizagem do ensino fundamental, terá de enfrentar um maior nível de abstração das disciplinas do currículo no ensino médio. Em parte, por essa razão, os resultados negativos da aprendizagem em matemática e língua portuguesa, aferidos periodicamente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), não surpreendem.
Esses resultados são confirmados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) que avalia jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências. A proporção de jovens com desempenho adequado no Brasil, nas três áreas avaliadas, é menos da metade da proporção entre jovens da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em leitura, por exemplo, apenas 25,2 por cento dos jovens brasileiros possuem o nível de aprendizado adequado, contra 52,2 por cento nos países da OCDE. O quadro é ainda pior em ciências e em matemática: apenas 18,2 por cento dos alunos brasileiros possuem aprendizado adequado em ciências, contra 50,7 por cento na OCDE. Em matemática, por sua vez, são 12,3 por cento, contra 48,2 por cento na OCDE.
O desempenho brasileiro em ciências mostra que as deficiências de aprendizado não se restringem às disciplinas testadas nas avaliações do Saeb/Prova Brasil. O maior resultado brasileiro obtido em ciências foi 405 pontos, em 2009. Desde então, o desempenho diminuiu para 402, 401 e 404, respectivamente, em 2012, 2015 e 2018. Neste último ano, o resultado dos jovens brasileiros esteve 85 pontos abaixo da média dos estudantes dos países da OCDE — 489 pontos. Isto mostra que a aprendizagem não está melhorando também em ciências, e não apenas em língua portuguesa e matemática.
Além disso, os resultados do Pisa mostram que os jovens avaliados não estão aprendendo a aplicar conhecimentos de várias disciplinas para resolver problemas teóricos e práticos, a pensar por meio de evidências, a analisar criticamente para construir argumentos, além de não demonstrar capacidade de pensar cientificamente.
Desigualdade escolar
O baixo aprendizado não é o único aspecto que chama atenção:a falta de equidade é outro obstáculo difícil de ser enfrentado pelos jovens no ensino médio. Um exame mais detalhado dos dados da avaliação de 2019 mostra que, se os estudantes avaliados forem distribuídos em nove níveis de desempenho, como o Inep fez em língua portuguesa, verifica-se que 68,3 por cento deles alcançam o nível 4 e apenas 5,8 por cento estão acima do nível 6. E 19 por cento dos alunos encontram-se no nível 1, o que demonstra que uma porção grande de alunos está na cauda esquerda da distribuição de conhecimento.
Em matemática, os estudantes foram distribuídos em 11 níveis: neste caso, 86,2 por cento dos alunos do ensino médio estão abaixo do nível 5 de desempenho e apenas 1,67 por cento estão acima do nível 7, como mostrado na Figura 10. Novamente, observa-se aqui um acúmulo de alunos no nível 1, em razão da grande quantidade de alunos na faixa inferior de desempenho.
Ou seja, não apenas os resultados de aprendizagem são baixos, em média, como há uma péssima distribuição do desempenho dos alunos, o que, por si só, constitui uma evidência de problemas na qualidade da educação em decorrência da alta concentração nos níveis de menor aprendizado.
Ademais, essa distribuição esconde outro problema da nossa educação: nos níveis de menor aprendizado estão os alunos de menor nível socioeconômico, os filhos de pais com menor escolaridade e de cor preta. Como se não bastasse o preço que já pagam para estudar em escolas que não têm sido capazes de reduzir essa diferença, tal distribuição mostra a parcela do alunado mais vulnerável aos efeitos negativos da pandemia. Por isso, não é sem razão que a taxa de conclusão no ensino médio de jovens com até 19 anos seja de 92,6 por cento entre os 25 por cento mais ricos e de 58,8 por cento entre os 25 por cento mais pobres; e, entre os brancos, seja de 79,1 por cento e de 61,4 por cento entre os pretos (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021).
Essa falta de equidade também está presente nos resultados da Pesquisa Anual por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), do IBGE (IBGE, 2019). Esses resultados indicam que, se entre 2016 e 2018 houve alguma melhora em indicadores educacionais do Brasil, em termos de algum ganho em anos de escolaridade, ainda persistem as desigualdades regionais, de gênero e de cor. Pessoas brancas tiveram indicadores educacionais melhores que os das pessoas pretas ou pardas; as regiões Nordeste e Norte apresentaram uma taxa de analfabetismo bem mais alta e uma média de anos de estudo inferior à das regiões do Centro-Sul do país.
Falta de engajamento escolar
Os obstáculos descritos até agora, atuando conjunta ou isoladamente, afetam o interesse e a motivação dos jovens estudantes que, como percebem os educadores na escola, resultam em falta de atenção e desinteresse em sala de aula e em falta de compromisso com os estudos. Isso é preocupante porque acaba por acarretar baixa aprendizagem, reprovações e prejuízos nos anos escolares seguintes e mesmo para a vida futura.
Em parte, o desinteresse e a falta de motivação têm raízes no próprio processo de desenvolvimento dos jovens que passam por uma etapa da vida marcada por grandes transformações corporais e psicológicas que provocam dúvidas, inseguranças e sucessivos deslocamentos nos interesses e nos desejos dos adolescentes. Não é incomum nesse período ocorrerem variações de humor e disposição para realizar algo não previsto. No entanto, os jovens estão também descobrindo novas maneiras de pensar, de valorizar e de ver e fazer as coisas, explorando novidades, enfrentando desafios e exercitando a curiosidade, a criatividade e a engenhosidade. É próprio dessa etapa conviver com o incerto e a dúvida, ter coragem de correr riscos e cultivar novas necessidades e preferências. Ou seja, a realidade em que sua vida se desenrola deixa de ser apenas o que é percebido por eles e passa a incluir também um conjunto de novos possíveis e de novas necessidades.
A escola em que estudam oferece a eles o oposto disso: ensina o certo quando o jovem precisa aprender com seus erros, ensina a verdade quando ele precisa aprender a interrogar e duvidar, cultiva a autoridade do cargo de professor em um contexto social no qual a autoridade não decorre mais da posição, mas daquilo que os alunos reconhecem na fala e na ação do professor como importante e significativo para eles. Isto significa que o desinteresse e a falta de motivação têm raízes também na escola.
Em pesquisas realizadas no Brasil, os próprios jovens indicam a falta de motivação e o desinteresse, entre outros motivos, como causas de ter abandonado a escola. Segundo o Suplemento Educacional da PNAD-C de 2019, entre os jovens do sexo masculino que evadiram, a falta de interesse foi o segundo motivo mais relatado. Entre as jovens mulheres, essa foi considerada a principal razão (PEREIRA, 2022).
De acordo com os dados de pesquisa realizada por Soares et al.(2015) com alunos cursantes e evadidos de 46 escolas em Minas Gerais (MG), os fatores com maior poder para explicar a decisão de abandonar ou permanecer na escola foram a dificuldade nas disciplinas, a ânsia por uma escola diferente, mais sintonizada com suas necessidades e interesses reais, e a vontade de escolher uma escola por sua qualidade.
As pesquisas mostram um aluno desmotivado, mas não é uma fatalidade que deva ser assim. Ele está desmotivado, é reprovado seguidas vezes e acaba por desistir da escola porque não vê sentido no que faz e no que a escola lhe oferece.
Para os jovens de alguns grupos sociais, cursar o ensino médio é algo tão natural e indispensável como comer, dormir, tomar banho, etc. A família e a escola desenvolvem neles a percepção de que, com a continuidade dos estudos, serão melhores as oportunidades de realização pessoal e de trabalho no futuro. Nesses casos, a motivação para permanecer na escola é externa e está associada à possibilidade de recompensa, seja pela família ou pela sua trajetória escolar bem-sucedida. Essa é a parte da população que, nas estatísticas educacionais, tem bom aprendizado, não abandona os estudos, conclui o ensino médio e que é sempre bem-sucedida na escola.
Contudo, para aqueles grupos para os quais o ensino médio não faz parte do seu capital cultural nem da sua experiência familiar, uma escola que não conheça o modo de vida dos jovens desses grupos, as suas dificuldades cotidianas e as suas expectativas de futuro não faz sentido para eles. Nesse caso, eles não são cobrados pela família se abandonarem a escola e, também, não se sentirão compelidos por nada e por ninguém a continuar frequentando-a. Ao contrário, muitas vezes serão pressionados pelos familiares e pelas circunstâncias a interromper os estudos.
O desafio das escolas que atendem aos jovens desses grupos sociais é fazer a motivação e o interesse emergirem pelo que a própria escola pode representar em termos de desafios, estímulos e necessidades. Não trata da motivação externa dos prêmios e benefícios, mas de uma motivação intrínseca fundamentada na busca natural de todo ser humano pela novidade, pelo valor e sentido da vida.
Uma motivação que, para Deci e Ryan (1985), tem como componentes fundamentais a autonomia (a noção de estar no controle das próprias ações), a competência (consciência de ser capaz de realizar algo socialmente valorizado no ambiente em que vive) e o relacionamento interpessoal (sentir-se conectado a outras pessoas). A motivação intrínseca é a fonte da energia central para a natureza ativa do jovem que, quando está intrinsecamente motivado, segue seus interesses.
Pesquisas no campo da psicologia da educação indicam que intervenções que aumentam o engajamento ou o grau de pertencimento do estudante à escola têm efeitos sobre o desempenho de estudantes (COHEN et al., 2006) e na permanência escolar de estudantes mais desfavorecidos (GOYER et al., 2017).
Falta de orientação profissional na escola
As estimativas disponíveis sobre o retorno de cada ano completo no ensino médio vão de 8 por cento a 16 por cento ao ano em países desenvolvidos (OREOPOULOS, 2006a, 2007; OREOPOULOS; SALVANES, 2011) e chegam a 15 por cento no caso brasileiro (BARBOSA FILHO; PESSÔA, 2008). Diante de uma taxa média de retorno tão alta, não se pode deixar de perguntar: por que mais de 10 por cento dos alunos evadem da escola a cada ano no Brasil e menos da metade dos jovens do quinto mais pobre completem essa etapa dos estudos?
Este é um dilema que tem sido objeto de estudos que indicam cinco fatores-chave na escolha de quando parar de estudar: a percepção errônea sobre retorno de cada ano adicional de educação; a incerteza acerca desse retorno; o custo direto de cada ano a mais estudado; o prazer em estudar; e o custo de oportunidade de estudar por um ano a mais, que, para muitos jovens (especialmente os com distorção idade-série), significa também oportunidades do mercado de trabalho perdidas durante esse ano.
Várias pesquisas identificaram circunstâncias que podem influenciar tais fatores (PEREIRA, 2022b). Primeiro, se a escola em que o aluno está matriculado é ruim, ele aprenderá pouco e o retorno relativo a cada ano adicional de educação será baixo. Isso é o que acontece com um alto percentual de jovens de nível socioeconômico baixo ao terminar o ensino médio: 95,1 por cento deles não conseguem alcançar o nível de aprendizagem satisfatório em matemática e 71,8 por cento, em língua portuguesa.
A evasão escolar também é influenciada pelo fato de o jovem estudante não ter na sua rede de relações sociais alguém que já tenha terminado o ensino médio e que possa servir de referência para que possa reconhecer o benefício de tê-lo concluído. Além disso, se o aluno que se esforça para ser frequente, interessado e para aprender o que lhe é ensinado é estigmatizado ou sofre bullying. O custo social de estudar com afinco fica maior, o que pode influenciar na sua decisão de abandonar a escola.
Todas essas circunstâncias podem ser objeto de atenção no contexto escolar e poderão ser influenciadas positivamente se a escola for de qualidade e engajadora. Os jovens precisam estudar em uma escola que seja capaz de desenvolver neles a percepção de que, com a continuidade dos estudos, terão melhores as oportunidades de trabalho no futuro. No entanto, frequentemente, não é isso que eles costumam encontrar na escola e a chance de evasão aumenta.
A decisão de evadir não é fácil de ser tomada porque, apesar de reconhecer as vantagens que a conclusão dos estudos propicia, existem custos econômicos associados à continuidade dos estudos. Por exemplo, eles podem considerar que aproveitar oportunidades atuais de trabalho para ajudar a família deve prevalecer sobre oportunidades futuras de melhorar sua renda. Assim, os alunos podem avaliar que não conseguiriam arcar com os custos de permanecer estudando.
A escola também falha na orientação dos jovens para a escolha da profissão que deseja seguir. É importante que eles tenham acesso a orientações que os ajudem a refletir sobre quem são e querem ser, a pensar criticamente sobre a relação entre suas escolhas educacionais e sua vida futura, pessoal e social. Uma das principais fontes de motivação para os alunos estudarem muito é realizar seus sonhos para o trabalho e para a vida.
A escolha da profissão foi, também, objeto de uma pesquisa realizada pela OCDE (MANN et al., 2020) por meio do Pisa. Essa pesquisa foi aplicada em 600 mil estudantes de 15 anos de 79 países, entre eles, 11 mil alunos do Brasil. Sua finalidade era coletar dados inéditos sobre aspirações de trabalho, emprego e carreira dos estudantes de 15 anos. As entrevistas foram feitas durante a aplicação do Pisa, exame que mediu o desempenho de estudantes em matemática, leitura e ciências em 2018, antes da crise da pandemia, portanto. O relatório foi apresentado no Fórum Econômico Mundial em Davos, em 2019.
Os resultados são fortes evidências de que os empregos que foram mais atraentes para esses jovens têm origens no século passado ou até antes. Aspirações e escolhas relativas à carreira são reduzidas, bastante parecidas com as citadas por jovens entrevistados na mesma pesquisa realizada 18 anos antes, em 2000. Além disso, foram mais concentradas em poucas opções, mais populares e tradicionais, distantes das demandas do ambiente profissional e das mudanças ocorridas no mundo do trabalho desde então, e distorcidas por gênero e origem social. As cinco principais escolhas foram: médicos, professores, empresários, engenheiros e advogados, com a preferência das moças para as opções relacionadas a cuidados de saúde e ensino e os rapazes, engenharia e gerenciamento de empresas.
É possível inferir que esses adolescentes desconhecem demandas do mercado contemporâneo de trabalho: empregos acessíveis, bem-remunerados e com futuro promissor parecem não atrair a imaginação e o interesse desses adolescentes. Muitos deles, principalmente de origens socioeconômicas menos favorecidas, preveem buscar trabalhos que correm alto risco de serem automatizados e se extinguirem no futuro. Muitos dos jovens que tiveram alta performance no Pisa nem sequer aspiravam à carreira de nível superior.
Na pesquisa, jovens de baixa renda tinham menor probabilidade de terem investigado na internet sobre carreiras futuras, de terem conversado com conselheiros vocacionais, de terem visitado ambientes profissionais ou feiras de emprego. Por isso, no ambiente educativo, todos precisam ter a oportunidade de entrar em contato com novas profissões, por exemplo, em estágios temporários ou visitas. E é mais crítico do que nunca para o setor público e privado investirem juntos para garantir a conectividade para todos os jovens. Dada a natureza mutante do mercado de trabalho, são necessários mais investimentos em educação profissional e no local de trabalho.
A pandemia COVID-19
A pandemia, em razão de seus efeitos sobre a saúde mental dos alunos, pode produzir perturbações no seu comportamento e mudar seus interesses e expectativas, afetar a racionalidade da decisão de permanecer ou não na escola e levá-los a considerar aspectos de natureza mais subjetiva. Por exemplo, em reportagem do jornal Folha de S. Paulo, em abril de 2022, foi noticiado que um grupo de 26 alunos do ensino médio, de uma escola estadual do Recife, não puderam fazer prova após apresentarem sintomas de ansiedade, um claro impacto da pandemia sobre a saúde mental dos estudantes que os deixou muito tempo sem o convívio social.
Em 2020, durante a pandemia, uma pesquisa de opinião com estudantes do ensino médio (UNICEF, 2022) revelou que, de 1.219 jovens entrevistados, 17 por cento afirmaram ter pensado em abandonar a escola nos seis meses anteriores à pesquisa; 17 por cento alegaram “cansaço e estresse”; 8 por cento, por falta de motivação para estudar e 48 por cento consideraram abandonar a escola para poder trabalhar. Nesta mesma pesquisa, 65 por cento do total de jovens entrevistados consideraram fazer um curso superior.
O número de participantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) dá uma medida do efeito da pandemia sobre os projetos de futuro daqueles que concluíram o ensino médio: de 2020 para 2022, caiu de 5,3 para 3,4 milhões o número de inscritos. Em 2021, mais da metade dos inscritos não fez as provas no primeiro dia; o segundo dia teve 55,3 por cento de faltas, o maior índice de abstenção de todos os tempos, de acordo com o Inep/MEC. Em 2022, foram 26,7 por cento de abstenção.
Em suma, para além da pandemia, as barreiras para o jovem concluir o ensino médio já eram várias e envolviam fatores estruturais, como a elevada repetência, a baixa qualidade do ensino, os ambientes pouco acolhedores e que engajam pouco e as escolas desconectadas dos alunos dos projetos de vida e profissionais dos alunos, como sintetizado na Figura 11.
Isoladamente, esses fatores são desafiadores para os sistemas de educação que lidam com outros problemas também de complexidade elevada. A pandemia COVID-19 tornou os fenômenos da evasão e da permanência escolar ainda mais complexos. Abordagens pontuais e isoladas, provavelmente terão resultados tímidos. Ações coordenadas e que lidem com problemas estruturais se fazem necessárias.